4 de outubro de 2025
ArtigosDireito e cidadaniaEmpresas, Economia e MercadoNosso AgroNoticia, Política e Governo

Decisão inédita no Judiciário goiano garante prolongamento de dívida rural sem negativa formal do banco

Até então, a jurisprudência majoritária em Goiás exigia que o produtor solicitasse a prorrogação antes do vencimento da parcela

Uma decisão recente do Judiciário goiano representa um marco para os produtores rurais do Estado. Pela primeira vez, o Judiciário do estado reconheceu a possibilidade de prorrogação de dívida rural mesmo após o vencimento do contrato e sem que o banco tivesse se manifestado formalmente sobre o pedido administrativo.

Até então, a jurisprudência majoritária em Goiás exigia que o produtor solicitasse a prorrogação antes do vencimento da parcela e que o banco emitisse uma negativa expressa para que ele pudesse agir na via judicial. O novo entendimento rompe com essa prática ao considerar que o silêncio da instituição financeira já configura uma violação ao direito do produtor.

A decisão foi conquistada pela advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio e integrante do escritório Celso Cândido de Souza Advogados, e diz respeito ao caso de um agropecuarista de Goiânia que tinha uma dívida de R$ 1,2 milhão e há um ano tentava a renegociação. “Essa decisão é inédita porque rompe com a prática consolidada de exigir a negativa formal do banco para que o produtor rural possa acionar o Judiciário. O juiz reconheceu que a simples ausência de resposta por parte da cooperativa de crédito já autoriza a judicialização, permitindo o prolongamento da dívida mesmo sem manifestação expressa do banco”, explica Márcia.

Advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio

Segundo a advogada, a estratégia foi demonstrar que a omissão do Sicoob equivalia a uma negativa tácita, especialmente diante do prazo legal para resposta. “Argumentamos que a inércia da instituição financeira não pode ser usada como escudo para impedir o exercício do direito de ação. O juiz acolheu essa tese, reconhecendo que a omissão não pode obstruir o acesso ao Judiciário”, acrescenta.

Relevância para o setor produtivo

Para os produtores rurais, o efeito prático é importante. “O produtor, diante da ausência de resposta, ficava em situação de insegurança jurídica e vulnerabilidade econômica. Essa decisão garante que ele não seja penalizado pela omissão do banco e possa buscar a reestruturação da dívida, preservando sua atividade produtiva”, afirma Márcia.

O direito à prorrogação das dívidas está previsto no Manual de Crédito Rural (MCR 2.6.4), que disciplina as condições básicas do crédito rural, sem exigir requerimento prévio antes do vencimento da parcela. Apesar disso, decisões judiciais frequentemente condicionam a prorrogação à existência desse pedido administrativo, o que, segundo a advogada, contraria tanto o texto normativo quanto o papel constitucional do crédito rural como instrumento de política agrícola.

Potencial de precedente

Embora ainda seja uma decisão isolada, o resultado pode abrir precedente para outros casos semelhantes. “Essa decisão tem potencial para influenciar outros julgadores, ao mostrar que a omissão do banco não pode impedir o acesso à Justiça. Se esse entendimento for replicado, poderemos ver uma mudança de jurisprudência no Judiciário goiano, ampliando a proteção ao produtor rural”, avalia a especialista.

A fundamentação jurídica da defesa teve como base o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), que garante ao cidadão o direito de buscar tutela judicial diante de lesão ou ameaça de direito. Também foi invocado o dever de boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), que impõe às instituições financeiras a obrigação de agir com lealdade e cooperação na execução contratual.

“O silêncio injustificado diante de um pedido legítimo frustra a expectativa do contratante e viola os padrões éticos exigidos nas relações negociais. Por isso, conseguimos demonstrar que a ausência de resposta configura uma negativa tácita, legitimando o acesso ao Judiciário”, conclui Márcia.

Por Thiago Burigato

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *