Combate à desertificação da Caatinga exige conhecimento, avaliam debatedores
O Brasil precisa conhecer mais sobre a Caatinga, tendo em vista que um dos princípios do combate à desertificação requer a amplificação do conhecimento, por meio do qual será possível a recuperação da biodiversidade de um dos ecossistemas mais devastados e o mais vulnerável às mudanças climáticas no país. Essa situação também impõe uma reflexão sobre as atividades econômicas na área, visto que a supressão da vegetação local para usufruto da agropecuária e das monoculturas aceleram o ritmo da degradação ambiental.
A avaliação foi feita na terça-feira da semana passada (28), pelos expositores que participaram de audiência pública interativa na Comissão de Meio Ambiente (CMA) destinada a comemorar o Dia Nacional da Caatinga, celebrado anualmente em 28 de abril, e a debater sobre as ações contra a desertificação do bioma.
Apresentado pela senadora Teresa Leitão (PT-PE) e subscrito pelos senadores Beto Faro (PT-PA) e Jaques Wagner (PT-BA), o requerimento para a realização da audiência pública alerta para a ameaça de destruição desse bioma e do sustento das comunidades tradicionais que vivem na região (REQ 21/2024 – CMA).
O nome Caatinga tem origem no tupi-guarani e significa “mata branca”, por conta do aspecto da vegetação na época da seca, quando as folhas caem , permanecendo os troncos retorcidos e esbranquiçados das árvores e arbustos.
Exclusivamente brasileiro
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, atinge 10% do território nacional e 84% de Pernambuco, estando presente no agreste e no sertão de 135 municípios do estado que hoje sofrem com o risco de desertificação, ressaltou Teresa Leitão.
— A região Nordeste do nosso país vem sendo afetada com o fenômeno da desertificação, que, dentre outros fatores, decorre do desmatamento dessas áreas, quando sabemos, mais do que nunca, o quanto a vegetação consiste em fator protetivo para evitar danos ambientais — afirmou.
Ela destacou ainda que, como forma de implementar a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, o governo federal editou o Decreto 11.932, de 2024, que cria a Comissão Nacional de Combate à Desertificação.
Além de apontar a importância do povo e das comunidades tradicionais como guardiães da biodiversidade e imprescindíveis no combate às mudanças climáticas, a senadora acentuou que a Caatinga oferece potencialidades desconhecidas pela maioria da população brasileira.
Fortaleza incalculável
“Catingueira” nascida e criada no quilombo de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, e titular da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Givânia da Silva disse que a Caatinga é ainda desconhecida dos brasileiros, da mesma forma que as comunidades quilombolas.
— O último Censo mostra para a sociedade brasileira que nós estamos em todos os biomas, em 30% dos municípios, portanto, em 1,7 mil municípios, e também nas grandes cidades. Minas Gerais e a região Nordeste somam mais de 60% dos quilombos brasileiros, mas, para nossa surpresa, a cidade com maior número de comunidades quilombolas no Brasil fica no município de Barreirinha, no Amazonas. Temos observado que a Caatinga não só é uma fortaleza incalculável. O bioma Caatinga é tão importante e ao mesmo tempo ele não atrai os olhares — afirmou.
Bioma desconhecido
Diretor do Departamento de Combate à Desertificação da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Alexandre Henrique Bezerra Pires destacou que não dá para falar da Caatinga sem tratar da agenda da desertificação.
— As mudanças climáticas se expressam no território do semiárido brasileiro por meio desse processo de suscetibilidade da desertificação. Nós, como brasileiros, também por uma condição de país continental, nós conhecemos muito pouco dos biomas brasileiros. Conhecemos muito pouco sobre a Caatinga, até porque a Caatinga sempre é representada de forma pejorativa, como um lugar espinhento, sempre com uma forma negativa, um lugar repulsivo, aquilo que deixa a gente com um certo grau de distanciamento. Na verdade, a biodiversidade da Caatinga, a diversidade de solos e a cultura do povo que vive nesse território é extremamente grande, um potencial bonito — afirmou.
Gestão ambiental
Superintendente substituta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Pernambuco, Cristina Farias da Fonseca defendeu a gestão, e não apenas a fiscalização e o controle, das riquezas da Caatinga, cujo desconhecimento é hoje um contraponto às recentes pesquisas que apontam os potenciais da região.
— As pesquisas que estão saindo demonstram realmente um grande potencial, seja na biodiversidade, nos potenciais medicinais em vários aspectos. O conhecimento tradicional das comunidades é muito importante e também precisa ser preservado. O semiárido brasileiro e a Caatinga estão realmente vulneráveis à aridez. A gente precisa realmente agir em cima dessas condições, é uma das regiões secas mais povoadas do mundo, abrigando de 28 milhões a 30 milhões de pessoas que vivem nesse bioma. Já foi alterado mais de 80% da vegetação original, e a gente já perdeu metade dessa vegetação. A vegetação remanescente está subdividida em fragmentos, que impossibilitam corredores ecológicos — afirmou.
Manejo correto
Diretor-executivo da Fundação Araripe, Francisco Carneiro Barreto Campello avaliou que as ações requeridas para sustar a desertificação consistem fundamentalmente no comportamento correto do homem mediante o sábio manejo dos recursos naturais.
— Combater a desertificação, valorizar a Caatinga, é a gente aprender a conviver com ela, e isso já faz parte de uma luta muito forte. Quando a gente fala de agroecologia, estou falando de um sistema produtivo que vai valorizar a terra, vai enriquecê-la, não vai degradá-la, vai permitir que, além de eu ter alimentos sadios, eu não tenha que buscar novas áreas, porque o grande problema que a gente tem que buscar novas áreas é porque a gente produz sem conservação — afirmou.
Pacote tecnológico
Diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), Mônica Tejo frisou que a academia e os institutos de pesquisa já têm soluções ativas para serem implantadas na Caatinga e em outros biomas. Ela ressaltou, porém, que esse pacote tecnológico precisa ser explorado e difundido para que os municípios com áreas que já se encontram em processo de desertificação possam ter soluções de baixo custo e aplicações alternativas viáveis para combater esse processo.
— A Caatinga tem uma riqueza tremenda de produção, muitos têm esse sonho de que nossos produtores rurais e agricultores possam vir a conservar sua vegetação nativa em seus ambientes e, a partir disso, conseguir receber recursos para mantê-los na área rural. É um sonho que a gente vem perseguindo, de tentar tornar as tecnologias e as ciências o mais próximo possível das comunidades e, a partir disso, a gente conseguir impactar diretamente a vida das pessoas. A área da Caatinga tem hoje 12,85% em processo de desertificação. A gente precisa agir rápido com essas ações. São 11 mil hectares em processo de desertificação. A gente precisa tomar alguma atitude com políticas públicas para essa temática, para que a gente consiga reverter essas ações — concluiu.
A influência das mudanças climáticas na Caatinga é um dos temas de uma série de reportagens especiais produzidas pela Agência Senado sobre os biomas brasileiros. E que pode ser lida aqui.
Fonte: Agência Senado
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