Especialistas avaliam panorama atual alarmante da violência contra a mulher
Às vésperas do Dia da Mulher, advogadas que atuam na defesa dos direitos das mulheres também apontam as mudanças necessárias
Nesta sexta-feira (08), é celebrado o Dia Internacional da Mulher. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam 51,5% da população do Brasil. Elas continuam sendo não apenas a maioria da população, mas também as principais vítimas de violência doméstica e familiar. A pesquisa mais recente do Instituto DataSenado e do Observatório da Mulher Contra a Violência apontou que 74% das mulheres perceberam um crescimento desse tipo de agressão em 2023.
Para a advogada especialista em defesa dos direitos das mulheres Ana Carolina Fleury, esse aumento é causado por vários fatores. Entre eles, cita a redução do investimento em políticas públicas de acolhimento de mulheres em situação de violência e o agravamento do discurso de ódio e de um movimento contrário a pautas feministas nos últimos anos. Além disso, há pontos que contribuem para algumas regiões brasileiras terem ficado um pouco acima da média nacional em determinados aspectos do levantamento.
Um exemplo disso é que 31% das mulheres do Centro-Oeste declararam já ter sofrido algum tipo de violência doméstica por parte de homens. “A desigualdade de gênero envolve uma relação de assimetria de poder e papéis sociais, nível de desenvolvimento da cidade, grau de escolaridade e renda da mulher influenciam diretamente nisso. Além disso, cidades grandes costumam ter mais programas destinados ao combate à violência contra a mulher, enquanto cidades pequenas sequer têm delegacias especializadas, muitas vezes”, explica a especialista.
Ao analisar o panorama da violência contra a mulher especificamente em Goiás, a também mestra em Educação pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) diz que “Goiás é um estado muito conservador em pautas relacionadas aos direitos fundamentais e direitos humanos, e isso não é diferente em relação aos direitos das mulheres”. Para Fleury, apesar da rede de enfrentamento no estado ter sido ampliada nos últimos anos, o investimento ainda é muito baixo diante do número de casos de violência contra a mulher.
Um índice alarmante apontado pela pesquisa é que, do total de brasileiras que sofreram violência, 48% disseram que as medidas protetivas de urgência foram descumpridas. Além disso, 61% das entrevistadas vê que a falta de punição inibe as denúncias de agressão. Apesar disso, o problema não está exatamente na confecção de normas como a Lei Maria da Penha, de acordo com a advogada especialista em direito das famílias e violência doméstica Vanessa Senra.
“A violência contra a mulher é um fenômeno sistêmico, assim o Judiciário reflete, em algum nível, a nossa sociedade patriarcal, misógina e machista. A Lei Maria da Penha é até melhor do que leis de proteção de mulheres em outros países, mas há desafios na sua aplicação no dia a dia, porque isso depende do Judiciário e de outras instituições”, avalia. Nesse sentido, Senra revela que, muitas vezes, o atendimento em delegacias é uma grande barreira, pois é comum as mulheres serem revitimizadas e desencorajadas a seguir adiante com as denúncias.
Problema ampliado
Outro destaque do levantamento do DataSenado é que as violências psicológica, moral e física são citadas como sendo as mais frequentes, porém a patrimonial também é expressiva, revelando um percentual de 34%. Além disso, 61% das entrevistadas consideram que depender financeiramente do agressor contribui para as mulheres não denunciarem as agressões. A advogada Vanessa Senra, que também é pós-graduada em Planejamento Matrimonial pelo Instituto Legale, ressalta que a violência patrimonial não é apenas quando uma mulher depende financeiramente do seu agressor.
Como exemplos, ela cita situações em que o homem quebra o celular da vítima, estabelece que a mulher precisa perguntar a ele se pode ou não fazer um gasto pessoal, celebra contratos de empréstimo em nome da mulher sem autorização dela ou tenta fraudar a partilha de bens na separação. “A questão não é o valor monetário do bem em si, mas a conduta de humilhação que está envolvida nessa prática. Todos os tipos de violência contra a mulher têm o objetivo de controlá-la e a patrimonial dificulta muito o encerramento do ciclo de violência”, pontua.
Essa questão está relacionada ainda com um problema financeiro mais amplo, que atinge as mulheres em geral: a disparidade salarial. Divulgada pelo IBGE no mês passado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou que as mulheres tiveram uma renda média 20,8% menor do que a dos homens no último trimestre de 2023. “Essa disparidade ocorre porque o Brasil tem uma cultura machista. O dinheiro é uma ferramenta poderosa em busca de autonomia e o empobrecimento das mulheres é um projeto de manutenção da desigualdade de gênero”, ressalta Senra.
Mudanças necessárias
As duas especialistas indicam a necessidade de mudanças importantes na atual realidade da violência contra a mulher. Uma das principais é ampliar o acesso à informação, para que as mulheres conheçam seus direitos. Isso é especialmente relevante, considerando que 48% das entrevistadas pelo DataSenado acreditam que não conhecer esses direitos ainda é uma causa para a mulher não denunciar as agressões. Apesar do número de denúncias ter crescido nos últimos anos, a advogada Ana Carolina Fleury avalia que ainda há muita subnotificação.
“Além de deixarem de denunciar por não conhecer os seus direitos e por medo, muitas mulheres também são inibidas pela falta de capacitação dos servidores públicos que são designados para atendê-las”, reforça. A especialista Vanessa Senra complementa essa visão, afirmando que outras ações necessárias vão de mudanças amplas, como eleger projetos políticos comprometidos em combater a violência contra a mulher, até individuais.
Ela defende que a sociedade deve apoiar e consumir trabalhos produzidos por mulheres, além de não naturalizar violências, mesmo aquelas que parecem não ter consequências graves ou irremediáveis. “A violência contra a mulher tende a seguir uma lógica de escalonamento e um feminicídio não acontece de repente. Assim, é preciso que as pessoas desenvolvam um olhar atento para identificar violências sutis a que mulheres à sua volta estão submetidas e se posicionem contra isso, inclusive em conversas com amigos, no trabalho e com a família”, completa.
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